20 novembro, 2020


[Resenha] Piano Mecânico - Kurt Vonnegut

Ficha Técnica 

Título: Piano mecânico
Título Original: Player piano
Autor: Kurt Vonnegut
ISBN: 978-65-5560-022-3
Páginas: 496
Ano: 2020
Tradutor: Daniel Pellizzari
Editora: Intrínseca
Clássico redescoberto da literatura distópica narra um mundo dominado por gerentes, engenheiros e máquinas Em um futuro não muito distante, pós uma nem tão distópica Terceira Guerra Mundial, as máquinas finalmente venceram. Quase tudo foi automatizado e logo a sociedade se dividiu sob um novo sistema de estratificação não mais baseado em dinheiro, mas sim em inteligência. De acordo com seu QI e capacidade intelectual, os indivíduos são classificados e registrados em um cartão perfurado e sua posição social ― um destino de glória ou esquecimento ― só pode ser definida a partir da análise desses dados. Do lado dos privilegiados ― engenheiros e gerentes ― o doutor Paul Proteus leva uma vida confortável no alto escalão das Indústrias Illium, o maquinário que controla toda a vida da cidade homônima. Sua casa confortável, o prestígio entre os pares, a esposa atenciosa e dentro dos padrões: absolutamente tudo está em seu devido lugar e a ordem impera. A visita inesperada do inquieto e inconformado Ed Finnerty, um ex-colega de trabalho, promove um abalo sísmico em Paul e suas consequências, a princípio restritas à psique, logo se transformam em uma ameaça não apenas ao seu estilo de vida, mas ao de toda a estrutura que o cerca. Quando atravessa o rio que divide a cidade e suas castas, Paul vê com os próprios olhos como é a vida de quem foi excluído do sistema. Mais do que uma crítica à automação e ao progresso desenfreado das tecnologias, Piano mecânico é um livro sobre o desconforto inerente que toda estrutura social causa ao homem moderno. Escrito logo após a publicação de 1984, livro pelo qual Vonnegut admitiu ter sido fortemente influenciado, a obra compartilha com Orwell a ansiedade do pós-guerra e o medo de que, em tempos de paz, as nações venham a se submeter a níveis potencialmente paranoicos de controle social.

Resenha


Muito antes de se tornarem o gênero literário favorito de sete em cada dez adolescentes na década de 2010 (estatística criada por mim mesma), distopias já eram populares e um retrato peculiar de sua época. O termo foi criado em 1868, em contraponto à utopia criada pelo livro de Thomas More, apesar de o primeiro livro distópico só ter sido publicado em 1924 (para quem tiver interesse, o livro se chama We, do Yevgeny Zamyatin, e não tem tradução para o português). Bem antes de Admirável Mundo Novo (1932) e 1984 (1949), que são os títulos que geralmente vem à mente quando a gente pensa em distopias. 

Uma característica importante de distopias é que elas são fundamentadas em medo. Cada geração tem suas próprias ideias do que pode dar errado no futuro e essas ideias são refletidas no tipo de distopia que é criada. Por exemplo, quando há uma maior paranoia em relação ao comunismo, as histórias tendem a se focar em cenários onde todas as pessoas são todas iguais e sem personalidade, tendo a vida controlada pelo governo. Uma sociedade como a nossa atual, em que as pessoas valorizam muito suas liberdades individuais, tende a gerar narrativas mais violentas, focadas em opressão. 

Em Piano Mecânico, o medo é de que o trabalho humano seja substituído por máquinas e que a maioria das pessoas se torne dispensável. É uma sociedade onde ninguém morre de fome e todos tem o suficiente para sobreviver, mas ainda assim é marcada por uma desigualdade social muito grande. Uma cidade literalmente dividida por castas que habitam bairros diferentes. Depois de uma segunda revolução industrial. A maioria das funções humanas passou a ser exercida por máquinas, relegando pessoas a funções indesejáveis. O poder está nas mãos dos engenheiros e dos gerentes das empresas públicas, que vivem na parte mais nobre da cidade, com suas grandes casas e reuniões no country club. Do outro lado do rio fica Domicílio, cheio de pobres insatisfeitos e sujeira. E onde se passa a maior parte da história. 

O livro conta duas narrativas que se conectam em determinado ponto. A primeira é a visita de um xá e seu aparente espanto com a forma como a sociedade é organizada nessa cidade. A segunda é a queda de um engenheiro, um dos homens mais bem pagos da cidade. Paul começa apenas incomodado com o comportamento de um amigo e passa a questionar a estrutura social em que vive. É curioso que os dois personagens representem pontos de vista opostos sobre a mesma cidade: de um lado, o estrangeiro crítico, do outro, o nativo complacente. Paul representa o topo da pirâmide social de Illium: um homem bem sucedido, ambicioso e competente, vindo de uma família com tradição no serviço público. E ele vai ser confrontado com a desigualdade que sua posição causa. 

O livro tem um ritmo um pouco lento para quem está acostumado com distopias contemporâneas mas que lembra muito o ritmo das histórias mais antigas. Os capítulos são cheios de detalhes e é como se o cenário fosse um personagem extra, que deve ser apresentado e analisado. Nesse ponto, o livro lembra Admirável Mundo Novo e 1984, nos quais provavelmente se inspirou. Com certeza vai entrar nas minhas futuras discussões sobre se a sociedade retratada é viável e funcionaria na vida real. Para quem gosta de distopias clássicas, Piano Mecânico é uma excelente opção de leitura e vale cada palavra. A edição nova está lindíssima, com capa dura (meu coração chega bate mais rápido) e uma guarda linda que imita a partitura de uma pianola (o tal piano mecânico do título). Leitura obrigatória para os fãs de Admirável Mundo Novo e 1984.


P.S.: Se quiser adicionar esse livro na sua lista de leitura do Skoob basta clicar na capa que você será redirecionado para a página do livro no Skoob 😉
Comentários
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Um comentário:

  1. Confesso que faz tempo que não pego uma distopia para ler,mas é um gênero que gosto muito, por conta disso que você citou, o medo rs
    Já olhei esse livro tantas vezes, mas sabe quando você acredita que o ritmo do livro não te pegará?
    Eu sinto isso. Talvez em algum momento eu mude de ideia e o leia, afinal, é um clássico!!
    Beijo

    Angela Cunha/O Vazio na flor

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